sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

CRÓNICA DA SEMANA

S. JORGE - UMA ILHA DE BAIXO

Viver nas ilhas de baixo ou, simplesmente, ilhas - quiçá para não confundir com algum continente de presunção e estultice!... - traz sossego e, a par, a insegurança do infortúnio que ciclicamente nos bate à porta.

Aliás, o desenvolvimento da ilha de S. Jorge quase sempre teve como mola impulsionadora o infortúnio! Não fossem os sismos e terramotos e o nosso progresso era bem menor!

Com efeito, tal destino foi-nos traçado bem no início do povoamento quando a troco da partilha da donatária da ilha Terceira se compensou o pseudo prejudicado com a entrega da ilha de S. Jorge.

Mas porquê S. Jorge que até ficava muito mais perto do Faial?!

Jogos de influência, hoje traduzidos por capacidade reivindicativa ou por poder político!...

Assim, a ilha de S. Jorge ficou condenada à partida a ser um apêndice (e tem-no sido através dos séculos!) da ilha Terceira!...

Em algumas alturas mais do que noutras, os jorgenses foram fazendo o seu percurso histórico sustentados pelas sobras da ilha tutela.

Com a Autonomia veio a esperança e, em boa hora, surgiu a fundamentação para tais aspirações! Houve desenvolvimento: melhorou a qualidade de vida, aumentaram os recursos económicos, desenvolveu-se a agricultura, democratizou-se a escola, expandiram-se os serviços de saúde levando-as a todas as freguesias (agora já não é assim!), abriram-se vias de acesso no interior e nas suas ligações ao exterior, etc…

No entanto, a ilha não deixou de ser enteada!...

Os distritos, que eram para desaparecer em nome da Unidade Regional, mantiveram-se na prática, embora desaparecessem na nomenclatura!...

As influências políticas e os jogos de bastidores das capitais dos ex-Distritos não abrandaram. A dependência continuou!...

Desapareceram os Governadores e os Orçamentos Distritais! Permaneceram, porém, as tutelas, como permaneceram os hodiernamente chamados Ex-Distritos, cujas funções passaram a ser substancialmente maiores do que as existentes anteriormente.

O Orçamento Regional passou a dotar cada ilha de verbas e de dependências já que muitas das verbas orçamentadas passam pelo crivo das autoridades intermédias do Ex-Distrito correspondente.

Na Saúde qualquer deslocação tem de ser autorizada pela ilha-mãe e por lá, em regra, se tem de passar a pedir o beneplácito, mesmo que isso possa custar a vida de alguém como, dizem alguns entendidos, já aconteceu.

Então os senhores do hospital de referência (nova nomenclatura para substituir a velha terminologia que, à mesma entidade, apelidava de hospital distrital!) são mais sérios que os médicos das ilhas?!...

Então os médicos das ilhas (quase sempre de baixo e, quantas vezes, por baixo!...) não tem competência para saberem o melhor para os seus doentes?!

Será que o movimento estatístico deste ou daquele hospital é mais importante que o bem-estar dos doentes evacuados?!

Por via da burocracia tacanha do ex-distrito de Angra (apadrinhada por quem nunca teve a coragem de fazer desaparecer os distritos - e já governaram os Açores dois partidos sem que, nesta matéria, conhecêssemos a diferença!) quantos jorgenses já perderam o direito à consulta?! Se calhar, caro ouvinte, deve conhecer alguém (familiar ou amigo) a quem já aconteceu…

Pior… muito pior!...

Enquanto existe capacidade e qualidade no Hospital do Faial para atender muitos dos doentes jorgenses, obrigam-nos a ir para o Hospital de Angra cuja capacidade e qualidade estão quase esgotadas.

Dirão alguns que é mentira o que afirmo.

Ora bem! Perguntem à maioria das grávidas, a muitos cancerosos em fase terminal ou a vários doentes de outras especialidades se estou a faltar à verdade?!...

Prescinde-se de gastar menos de cinquenta euros em viagens do doente e do acompanhante para o Faial para se despender mais de duzentos euros (quatro vezes mais!...) na ida para a Terceira.

Já que, para certos senhores, o bem-estar dos doentes parece não ser importante aconselho que, pelo menos, façam contas e vejam o disparate!...



14 de Janeiro de 2011

Frederico Maciel

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